Série Temas "Patrulhados" (2)
Acabemos com mais uma exclusão: o Brasil precisa ouvir a voz do Clero sem-microfone
"Por que os grupelhos contestatários, de intenso ativismo no interior da Igreja, e cuja especialidade é reivindicar todo tipo de medidas antiexclusão, não incluem na sua agenda o fim do boicote contra os sacerdotes sem-microfone?"
Adolpho Lindenberg
O destaque que, há muitos anos, a mídia vem dando aos pronunciamentos de bispos e sacerdotes (em geral ligados à CNBB), incitando as invasões de terras promovidas pelo MST, criticando indiscriminadamente a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), as privatizações, as multinacionais (as norte-americanas, em especial), e o plantio dos transgênicos, apresenta um inconveniente sério: tais pronunciamentos podem criar a impressão de que a maioria do Episcopado e dos setores mais responsáveis do Clero brasileiro pensa como esses prelados.
Movimentos contestatários
É contristador perceber que na vasta rede de movimentos contestatários que está sendo articulada por todo o país, a ala progressista religiosa - fruto das Comunidades de Base e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) - se sobressai como o núcleo mais ativo e radical em suas convicções. Para esses movimentos de contestação é de fundamental importância dar a impressão de que expressam a opinião majoritária, ou pelo menos muito expressiva, do Episcopado e no Clero.
Não é verdade, necessariamente.
Uma minoria do Clero fala, a maioria está calada
A realidade profunda é bem outra. A maioria do Episcopado e do Clero, na realidade, não tem voz nem vez na grande mídia. Suas pastorais, sermões e opiniões não chegam ao grande público. Quase ninguém os conhece, só alguns paroquianos e amigos próximos, com quem compartilham confidências. Eles são os prelados e sacerdotes sem-microfone; pertencem à imensa maioria dos excluídos dos grandes meios de difusão. E muitos deles inteligentes, cultos, de expressão fácil, com reflexões que ajudariam muito à autêntica formação da opinião nacional. Até por exigência de equilíbrio na ponderação das opiniões e de equidade em relação a este setor social, eles também precisariam ser ouvidos.
Padres sem-microfone são discriminados
O grande número dos padres sem-microfone, muitas vezes, talvez na maioria esmagadora dos casos, teria reservas sérias com as invasões e depredações das propriedades agrícolas. Mas são discriminados, não são ouvidos pelo público. De nada adiantam suas advertências. Não repercutem. Estão excluídos. Para eles, não funciona a encenação publicitária aparatosa, suas opiniões são ignoradas pela grande imprensa, o que acontece por exemplo no caso de "O Grito dos Excluídos". É que, para azar deles, nem estão entre os promotores da revolução social, nem pertencem aos pequenos grupos dos privilegiados pela mídia.
Excluir a exclusão
É preciso que se inclua entre os formadores de opinião, com acesso à mídia, também os prelados e sacerdotes que hoje estão sem microfone. Por que deixá-los de fora? Por que os grupelhos contestatários, de intenso ativismo no interior da Igreja, e cuja especialidade é reivindicar todo tipo de medidas antiexclusão, não incluem na agenda já tão abrangente do "Grito dos Excluídos" também o fim do boicote contra os sacerdotes sem-microfone? Afinal de contas, não se proclamam os seus participantes em batalha contra as exclusões, pelo fim das discriminações? Ou é que umas exclusões podem existir, e são bem-vindas, e outras não? Se for assim afastam-se do que deseja o povo, pois milhões de brasileiros querem saber o que pensa o Clero sem-microfone.
Adolpho Lindenberg é autor do livro "Os católicos e a economia de mercado".
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