Destaque Internacional – Informes de Conjuntura – Ano VII – nş 172 – Buenos Aires/Madri – Julho 11, 2005 – Responsável: Javier González

Foro de São Paulo, América Latina e crise na esquerda brasileira

Marco Aurélio Garcia, alto assessor internacional do presidente Lula, dá seu aval às "grandes desestabilizações" criadas pelos chamados "movimentos sociais" que serviriam para "quebrar hegemonias", bem como para supostamente "expandir" a democracia no continente; e elogia as "lutas armadas" que haveriam contribuído para a democratização em vários países.

1. O Foro de São Paulo (FSP), uma coalizão de partidos comunistas, socialistas e de esquerda do continente, completou 15 anos de existência realizando seu 12ş Encontro (1 a 4 de julho, São Paulo, Brasil) com representantes de partidos políticos e "movimentos sociais" de 16 países latino-americanos. O primeiro encontro do FSP se havia efetuado em julho de 1990, também em São Paulo, a pedido do ditador de Cuba, Fidel Castro, preocupado com os efeitos devastadores sobre as esquerdas latino-americanas do desmembramento do império soviético e do conseqüente desprestígio dos "paradigmas" e "utopias" comunistas.

2. O que até poucos dias antes da última reunião do FSP prometia ser uma celebração – pelo fato de que vários partidos filiados chegaram ao governo em importantes países da região –, viu-se empanado pela crise de credibilidade que se abateu sobre o governante Partido dos Trabalhadores (PT), anfitrião do evento. As acusações de corrupção contra figuras de um partido que sempre alegou ter entre suas principais bandeiras a do combate à corrupção, precipitaram a queda do próprio ministro-chefe da Casa Civil da Presidência, José Dirceu, um ex-guerrilheiro treinado em Cuba, braço direito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e amigo íntimo do ditador Castro.

Os 350 delegados participantes do FSP não conseguiam esconder a ansiedade com os eventuais resultados dessas denúncias, que estão sendo investigadas no Congresso brasileiro, pelo prejuízo que seu desenlace pode ter sobre o mito da incorruptibilidade das esquerdas no nível latino-americano. Tal ansiedade se explica se se considera que, do que resta de 2005 e durante 2006 se efetuarão nada menos que 7 eleições nacionais, nas quais partidos de esquerda pretendem manter-se no poder no Brasil e no Chile, e conquistá-lo eleitoralmente no México, Bolívia, Nicarágua, Peru e inclusive Colômbia, no caso em que os tribunais obstaculizem a possibilidade de reeleição do atual presidente.

3. Do ponto de vista estratégico, a conferência talvez mais relevante dos 4 dias do evento esteve a cargo do professor Marco Aurélio Garcia, assessor-chefe de Política Externa do presidente Lula, elogiado em reiteradas oportunidades por este quando mais tarde se fez presente em uma das sessões do FSP, apresentando-o como o mentor e propulsor do FSP. Nos últimos anos Garcia trabalhou com afinco para expandir o neo-imperialismo "lulista" na América Latina, tendo viajado pela região e participado como mediador em países como Venezuela e Bolívia, durante recentes crises institucionais.

O professor Garcia, ao apresentar exemplos do que considerou uma atual "conjuntura favorável" para as esquerdas continentais, destacou a irrupção dos chamados "movimentos sociais" enquanto "novos atores" do cenário político. Elogiou a "efervescência" dos mesmos e reconheceu que via como "positivas" as "grandes desestabilizações" provocadas por esses "novos atores" nos últimos anos, em países como Bolívia, Equador, Argentina, Uruguai, etc.

Talvez percebendo o terreno espinhoso no qual se adentrava, Garcia tentou matizar seus conceitos esclarecendo que lhe parecia necessário "fazer tudo no marco da experiência democrática", e que "a democracia não pode viver sem o Estado de Direito". Porém, ato contínuo, apagando com uma mão o que acabava de escrever com a outra, disse que também é preciso considerar que "o Estado de Direito não pode transformar-se em uma camisa de força da democracia" e que, por isso, via as referidas "desestabilizações" como uma "expansão da democracia", assim como um instrumento para "quebrar as hegemonias".

4. Ocorre que nem a ideologia, nem as estratégias, nem as formas de articulação de boa parte desses "movimentos sociais" é democrática – especialmente a dos mais atuantes, que são os que promovem e lideram a "efervescência" elogiada por Garcia – e que não só derrocaram governos na Argentina, Bolívia e Equador, como ameaçam desmembrar e lançar ao caos social regiões inteiras do continente. Tal como se tem demonstrado de maneira documentada, a ideologia predominante nos "movimentos sociais" é uma sui generis mescla de comunismo, anarquismo e indigenismo. E utilizam estratégias publicitárias "liliputianas", de "aparente espontaneidade", surgidas no Fórum Social Mundial, do qual o Foro de São Paulo é um afluente e aliado. Não em vão o documento-guia de debate deste 12ş encontro do FSP menciona em contexto elogioso os "tipos de sociedade e/ou civilização comunal" e "andina" dos "povos originários", em uma conjuntura histórica na qual, segundo o FSP, o "eurocentrismo agoniza".

O alto assessor do presidente Lula teve o mérito de levantar a ponta do véu do que se esconde por trás do FSP e de seus planos atuais: se o marco institucional que dizem respeitar lhes causa problemas ou lhes põe limitações, então os "movimentos sociais" que eles mesmos teleguiam se encarregariam de ampliá-lo, por bem ou por mal.

Em um recuo histórico sobre as lutas revolucionárias no continente, Garcia chegou a elogiar movimentos guerrilheiros marxistas da América Central, dizendo que tinha que "tirar o chapéu" ante os casos da Guatemala, de El Salvador e da Nicarágua, países nos quais atualmente existiria a democracia nesses países, como "resultado de grandes lutas, inclusive armadas". Como se a meta desses movimentos guerrilheiros tivesse sido a democracia e não o comunismo, e como se não houvessem provocado dezenas de milhares de mortos, com "uma participação cruel, sangrenta e irresponsável" nas guerras civis de tais países, tal como lançou no rosto do ditador Fidel Castro o então presidente de El Salvador, Francisco Flores, durante a sessão de encerramento da Cúpula Ibero-americana do Panamá, em 2000, diante das câmaras de televisão do mundo inteiro.

Por fim, depois de todos esses comentários, Marco Aurélio Garcia tratou de menosprezar as acusações que foram feitas contra o FSP de ser uma espécie de "eixo do mal" latino-americano. Todavia, sua ousada interpretação sobre o papel dos "movimentos sociais" na transformação da democracia e do Estado de Direito, e sua defesa das guerrilhas marxistas, dá atualidade, com motivos fundados, e respalda a referida acusação.

5. Neste mesmo sentido, é preciso consignar a gravitação fundamental que Cuba comunista continua tendo na tal organização internacional, o que reflete-se no mencionado documento-guia deste 12ş Encontro do FSP; em pronunciamentos de delegados de vários países, como o senador Carlos Baraibar, da governante Frente Ampla, do Uruguai e do ex-guerrilheiro salvadorenho Jorge Shafik Handal, atual dirigente da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), assim como em diversos parágrafos da declaração final. Tal influência é atualmente menos ostensiva, provavelmente por motivos estratégicos, dentre os quais, tratar de afugentar o espectro do "eixo do mal" que persegue o FSP. Ao mesmo tempo, é preciso constatar uma crescente gravitação em torno do presidente Chávez, da Venezuela.

6. É o caso de se perguntar em quê medida a luz verde dada às "grandes desestabilizações" e à "efervescência" dos chamados "movimentos sociais" pelo alto assessor do presidente brasileiro e eminência parda do FSP, repercutirá no futuro político do Brasil. A interrogação tem sentido se se considera que na atual conjuntura brasileira, a ala do PT situada mais à extrema esquerda – concretamente, a mais ligada aos "movimentos sociais" revolucionários e à chamada "esquerda católica" – não se viu envolvida nas denúncias, que até o momento só afetou uma corrente petista considerada mais "moderada". Não é demais recordar que Frei Betto, amigo íntimo do presidente Lula e um dos líderes da "esquerda católica" no Brasil, abandonou supressivamente o governo em janeiro deste ano. Terá feito isto com cartas marcadas? O futuro poderá dar uma resposta a estas interrogações.

7. Chama a atenção que os grandes meios de comunicação brasileiros, que enviaram dezenas de jornalistas ao evento, não tenham publicado informações e comentários sobre esses importantes temas ideológicos abordados no FSP, que são os mais importantes e fundamentais, havendo limitado-se a cobrir o relacionado com as denúncias de corrupção.

8. O Foro de São Paulo e o Fórum Social Mundial são as duas faces de uma mesma moeda que, de maneira preocupante, vai se fazendo aceitar em inúmeros países da região. Por isso, mesmo com o sério tropeço que a esquerda governante está tendo no Brasil, os planos estratégicos emanados do FSP constituem um problema que ninguém que se interesse pelo futuro do continente pode desdenhar.

Tradução: Graça Salgueiro

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 * 12o encuentro del Foro de São Paulo, julio de 2005, link de la Declaración Final y de las Resoluciones:

http://200.155.6.3/site/temp_fsp/site_espanhol/html/encontros_int.asp?encontro=15

Lamentablemente, el importante documento guía de debate del 12o encuentro del Foro de São Paulo no está en el sitio web del Foro de São Paulo, http://www.forosaopaulo.org , y nosotros sólo tenemos una versión impresa, distribuida durante el evento.