Maio, 2004: revista Catolicismo, São Paulo, Brasil

Diante da tragédia de Cuba, indiferença inexplicável

Sergio F. de Paz, dinâmico dirigente de cubanos exilados, denuncia o regime fidelcastrista e a insensibilidade de alguns países em relação ao sofrimento de seu povo

Visitou o Brasil, em abril último, trazendo ao povo brasileiro uma dramática mensagem em favor da liberdade de Cuba, o Sr. Sergio de Paz, 66 anos, residente em Miami (Flórida). Ele, juntamente com o médico Enrique J. Cantón, é coordenador da Comissão de Estudos Pela Liberdade de Cuba (PLC), um think tank (grupo de estudiosos) que publica informes, artigos de imprensa e livros a respeito da dramática situação cubana e os distribui pelo mundo inteiro.

O Sr. Sergio de Paz concedeu entrevista ao jornalista Gonçalo Guimarães, a qual publicamos a seguir.

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Catolicismo - O Sr. poderia sintetizar a atual situação de Cuba, no contexto das Américas?

"É enorme a tragédia de um povo inteiro que agoniza há 45 anos, sob um cruel regime comunista"

Sr. Sergio de Paz -- É a enorme tragédia de um povo inteiro que agoniza há 45 anos, sob um cruel regime comunista, diante da indiferença inexplicável, quando não da cumplicidade, de tantos dirigentes políticos, empresariais, de defensores dos chamados direitos humanos e até de eclesiásticos. Indiferença tanto mais inexplicável quanto em Cuba são violados, sistematicamente, todos os direitos de Deus e dos homens.

Catolicismo - Mas a Assembléia Geral da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, reunida em Genebra, acaba de solicitar ao regime cubano o respeito dos direitos de seus cidadãos e a autorização para o ingresso em Cuba de um enviado desse organismo.

Sr. Sergio de Paz -- Na realidade, os termos dessa resolução, aprovada por 22 votos a favor, 21 contra e 7 abstenções, entre as quais se incluem o Brasil e a Argentina, são os mais brandos e concessivos possíveis. Numa palavra, a resolução não passa de mais uma manifestação de escárnio e uma burla em relação ao povo cubano. O regime castrista não levou esse texto na mínima consideração, e já anunciou que de nenhum modo permitirá ao enviado da ONU entrar em Cuba. A esse respeito, permito-me citar as palavras do próprio chanceler comunista cubano, Felipe Pérez: "A resolução não emprega o verbo condenar, não emprega o verbo recuperar, não usa a palavra reprimenda. Pode-se dizer que essa resolução é uma lamentação, um choramingo". Mais censurável ainda que esse "choramingo" inconsistente foi, a meu ver, a atitude de governos latino-americanos que se abstiveram na votação em Genebra, notadamente Brasil e Argentina.

Catolicismo - Qual a alegação desses governos para se absterem?

Sr. Sergio de Paz -- Gostaria de esclarecer previamente que, após quase meio século de tirânica ditadura comunista, não existe alegação ou justificação possível para tal abstenção que, de maneira análoga à de Pôncio Pilatos, lava as mãos diante da via sacra empreendida por 12 milhões de cubanos.

Na Argentina, tanto o chanceler Rafael Bielsa quanto o embaixador em Havana se têm negado a reconhecer, contra todas as evidências, que em Cuba se violam sistematicamente os direitos humanos. No Brasil, a chancelaria invoca há anos o princípio de não-intervenção nos assuntos internos de outros países, como se Cuba não tivesse assinado convenções internacionais, nas quais se compromete a respeitar os direitos de seus cidadãos. Mais doloroso ainda é o fato de que, logo após a votação deste ano, Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tenha tentado justificar a abstenção dizendo que, segundo o governo brasileiro, não há repressão por parte do regime cubano...

Catolicismo - E qual seria seu diagnóstico a respeito da Comissão de Direitos Humanos, de Genebra?

"A conceituada entidade Repórteres sem Fronteiras denomina 'hipocrisia' a atitude da Comissão de Direitos Humanos da ONU, especialmente em relação aos regimes de Cuba e da China"

Sr. Sergio de Paz -- Numa palavra: hipocrisia. Parece muito forte, mas é a realidade, e não sou eu quem utilizou pela primeira vez essa severa expressão. Foi a conceituada entidade Repórteres Sem Fronteiras, com sede principal na França, em informe difundido alguns dias atrás, que denomina "hipocrisia" a atitude da Comissão de Direitos Humanos da ONU, especialmente em relação aos regimes de Cuba e da China, dois dos maiores violadores de direitos humanos que a História contemporânea registra.

Catolicismo - Quais os argumentos invocados por Repórteres Sem Fronteiras para emitir um juízo tão severo a respeito desse organismo da ONU?

Sr. Sergio de Paz -- São vários. Repórteres Sem Fronteiras concedeu à ONU o Grande prêmio da hipocrisia. A razão foi que a ONU organizou uma recente Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, na qual ocuparam lugar de destaque os representantes de dois países que mais reprimem os meios de comunicação: Cuba e China. Atualmente essas nações constituem os maiores cárceres do mundo para os jornalistas. Como exemplo da atitude hipócrita da ONU, Repórteres Sem Fronteiras cita a própria Comissão de Direitos Humanos desse organismo internacional, na qual, dos 53 governos representados, 25 nem sequer ratificaram o conjunto das convenções e tratados sobre os direitos humanos. No ano passado, o regime da Líbia, implacavelmente ditatorial, foi nomeado para exercer a presidência; e entre os membros da comissão se incluem, além de Cuba, China e Líbia, outros regimes que figuram entre os mais repressivos do mundo.

Nesse sentido, além das severas críticas de Repórteres Sem Fronteiras, poderia citar as de José Miguel Vivanco, diretor de Human Rights Watch. Afirmou ele que, em Genebra, as "raposas tomaram conta do galinheiro", e que os piores violadores dos direitos humanos atuam como verdadeiras máfias. Por fim, Repórteres Sem Fronteiras acaba de lançar a documentada obra Cuba: o Livro Negro, com dados concretos a respeito da repressão implacável do regime comunista, algo que, como já mencionei, o governo brasileiro e outros governos parecem não querer ver.

Catolicismo - Gostaria de passar a outro tema bastante polêmico: o do alegado bloqueio econômico norte-americano a Cuba. Algumas chancelarias afirmam que isolar o regime de Castro é contraproducente, que o embargo econômico norte-americano - inclusive a proibição do governo desse país a seus cidadãos, de viajarem à ilha - é contraproducente, contribuindo para um fechamento ainda maior do regime cubano.

"A afluência de turistas a Cuba contribui para a manutenção de um regime tirânico"

Sr. Sergio de Paz -- De fato, alguns alegam que, se chegarem ondas de turistas norte-americanos a Cuba, o regime esboroar-se-á. Então, eu pergunto: o que teriam os turistas norte-americanos que não tenham os turistas canadenses, franceses, alemães, espanhóis, italianos, mexicanos, uruguaios, japoneses e do mundo inteiro, que afluem anualmente à ilha, às centenas de milhares? Essa afluência de turistas, que freqüentam lugares turísticos reservados só para eles, e onde o povo cubano não pode ingressar, só tem contribuído para que o regime receba quantidades fabulosas de dólares, com os quais tem podido continuar alimentando seu sistema repressivo.

A respeito das relações econômicas, Cuba está comerciando, neste momento, com quase todo o mundo, incluindo os Estados Unidos, que lhe vendem uma quantidade considerável de alimentos.

Por fim, praticamente toda a comunidade internacional considerou outrora lícito aplicar sanções econômicas contra a África do Sul, Chile e outros países, alegando que era uma maneira de pressionar os governos dessas nações a fazerem concessões no plano das liberdades. Por que então, no caso de Cuba, a mesma comunidade internacional considera esse critério não ser válido? Por que misteriosa razão se protege dessa maneira o regime cubano?

Catolicismo - Como se explica que Fidel Castro tenha se mantido no poder, durante quase meio século, apesar do descontentamento da população?

"O aparato de terror implantado por Castro, possibilita-lhe um controle absoluto da população"

Sr. Sergio de Paz -- Isto tem sido possível não só devido ao fato de tantos dirigentes mundiais fazerem vista grossa para o que acontece em Cuba, mas também, muito especialmente, pelo tremendo aparato de terror implantado por Castro, o que lhe permite um controle absoluto da população.

Catolicismo - E os resultados favoráveis, em matéria de saúde e educação, que o regime comunista alardeia ter alcançado?

"Os supostos êxitos de Cuba em matéria de saúde e educação constituem mais dois mitos publicitários do regime, pois são usados pelo governo comunista como dois instrumentos de controle mental e psicológico da população"

Sr. Sergio de Paz -- Os supostos êxitos nesses campos constituem mais dois mitos publicitários do regime. Na realidade, saúde e educação são usados pelo governo comunista como dois instrumentos de controle mental e psicológico da população. A Comissão de Estudos pela Liberdade de Cuba, que coordeno, tem publicado numerosos estudos mostrando a triste realidade dos fatos, além de denunciar a falaciosa propaganda que o regime faz a esse respeito.