Índice:
FSB: radiografía das esquerdas
FSB: esquerdas debatem utopias, estratégias e dilemas
FSB: conjuntura latino-americana e política externa lulista
FSB: articulações da "esquerda católica", MST e indigenistas
FSB: a meta de "desconstrução" e "reinvenção" do homem e da sociedade
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Destaque Internacional - Informes de Conjuntura
Ano V - No. 116 - Buenos Aires - Madrid, Nov. 11, 2003.-
Fórum Social Brasileiro: radiografia das esquerdas
Importante congresso de movimentos contestatários brasileiros passa desapercebido dos grandes meios de comunicação
O 1º Fórum Social Brasileiro (FSB) efetuou-se de 6 a 9 de novembro pp. na cidade brasileira de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Organizado pelo conselho brasileiro do Fórum Social Mundial (FSM), contou com a participação de 1.200 organizações brasileiras, de 15 mil ativistas inscritos oficialmente e de outros 15 mil convidados, entre os quais, observadores de 22 países. As 300 conferências, seminários e oficinas efeturam-se principalmente no campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no vizinho estádio "Mineirinho".
Sob o chamativo lema "Um outro mundo é possível - Um outro Brasil é necessário", o FSB teve como objetivos alimentar o "entusiasmo revolucionário" nascido nos fóruns de Porto Alegre, Gênova e Seatle; atualizar o processo de "construção de redes" e impulsionar o trabalho de conscientização sócio-revolucionária; denunciar o "neo-conservadorismo" e o "imperialismo"; e contribuir para definir "um outro paradigma" de organização da sociedade. Foi o que explicou em sua mensagem de boas-vindas Moacir Gadotti, professor da Universidade de São Paulo (USP), membro fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), membro do Instituto Paulo Freire e um dos principais organizadores do FSB.
O FSB foi marcado por conferências de cunho comuno-anárquico no político, oposto à propriedade privada e à livre iniciativa; e permissivista no moral, a favor do aborto, da homossexualidade e da "transversalidade". Constituiu uma oportunidade única para obter uma radiografia atualizada das esquerdas brasileiras, com suas novas e velhas estratégias, seus dilemas, suas utopias, suas contradições internas, seus problemas e seus temores. Esta radiografia é indispensável para conhecer os debates que estão ocorrendo no interior das esquerdas brasileiras e, em conseqüência, o que poderá se passar no curto e médio prazo com o regime de Lula e com o próprio Brasil.
O balanço de 10 meses do governo de esquerda polarizou os participantes ao longo das concorridas conferências plenárias durante o período matutuno, no estádio "Mineirinho", assim como nas centenas de seminários e oficinas vespertinas nas dependências da UFMG.
Uma primeira corrente, integrada por setores da extrema esquerda pró-castrista e pró-chavista, mais atuante nas conferências e talvez majoritária em nível de assistentes, manifestou-se frontalmente crítica ao presidente Lula, cobrando maior velocidade e radicalidade do governo nas prometidas reformas estruturais rumo ao socialismo. Esta corrente também reclamou do governo maior agressividade na política externa, mesmo quando se reconheceu o apoio governamental a Cuba comunista e ao regime da Venezuela, assim como a afinidade com movimentos indigenistas revolucionários da Bolívia e Equador, com correntes opositoras na Colômbia, etc. Está integrada por comandos meios e bases do próprio PT, por intelectuais como Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos membros mais influentes do comitê organizador do Fórum Social Mundial (FSM), por militantes da teologia da libertação, por membros do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), de tendência trotskista, etc.
Uma segunda corrente - com similar radicalidade nas metas, porém partidária de uma gradualidade nas estratégias e velocidades para chegar ao objetivo comum socialista, de maneira a despertar menos reações adversas na opinião pública - apoia o governo Lula, embora não incondicionalmente. Está integrada por membros do próprio governo ligados a organizações não-governamentais (ONGs), por dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Partido Comunista do Brasil (PC do B) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), assim como por militantes desses movimentos.
É difícil determinar ainda se esta corrente possui maioria, em nível nacional, dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), um dado que poderia servir para fazer um prognóstico sobre os rumos imediatos e mediatos que tomará o governo Lula. Em todo caso, ao menos no nível do FSB, não parece ajustar-se à realidade a declaração de José Genoíno, presidente do PT e participante deste evento, de que "a quase totalidade dos petistas, pelas pesquisas que nós temos e pelas plenárias que são realizadas pelo País afora, tem confiança no governo".
Neste quadro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) merece uma menção à parte. Com 20 anos de atuação, elogiado durante o FSB por Leonardo Boff e anteriormente posto como modelo de novo movimento revolucionário por Fidel Castro, com a maioria de seus dirigentes formados ideologicamente em comunidades eclesiais de base (CEBs), é talvez o mais articulado dentro das ONGs revolucionárias brasileiras.
Os dirigentes do MST presentes no FSB manifestaram possuir a radicalidade comuno-anárquica e pró-castrista da primeira corrente. Porém, ao mesmo tempo, contrariando a caricaturizada imagem de "cabeças quentes" que costuma-se atribuir-lhes, concordam com a segunda corrente em que principalmente os dirigentes necessitam ter a "cabeça fria" e, quando as circunstâncias o pedem, flexibilidade na ação, para evitar erros estratégicos. No FSB, durante a conferência "Estado e movimentos sociais", Gilmar Mauro, coordenador nacional do MST, mencionou especificamente uma recomendação neste sentido do sanguinário guerrilheiro cubano-argentino Ernesto "Che" Guevara. Por outro lado, percebe-se que as bases do MST, que constituíam a maior delegação no FSB, recebem uma intensa preparação ideológica e uma minuciosa "conscientização" em torno das metas e métodos a serem seguidos.
"Sem luta de massas, não pode haver transformação nem revolução"; sem "conscientização", nenhuma revolução "encontrou sustentação, historicamente", foi o recado dado no FSB por Gilmar Mauro, coordenador nacional do MST, aos radicais partidários do aventureirismo político e das revoluções de cima para baixo. O dirigente do MST referia-se, sem dúvida, àqueles militantes de esquerda afetados por uma mentalidade imprudente que, segundo expressão de Lênin, constitui a "enfermidade infantil do comunismo". Similar mensagem havia sido dada por Mauro no 3º Fórum Social Mundial de Porto Alegre (cfr. CubDest, "MST: radicalidade, cabeça fria, mística").
No próximo artigo, tendo como pano de fundo esta delicada correlação de forças no seio das esquerdas brasileiras, ver-se-ão casos concretos que ilustram as discussões estratégicas e os dilemas dos participantes do Fórum Social Brasileiro.
Nota 1:
O evento foi ignorado pelos mais importantes meios de comunicação brasileiros e internacionais, sendo quase que exclusivamente coberto pelas agências de esquerda Adital, ligada à teologia da libertação, Carta Maior e Diário Vermelho, assim como por outras agências "alternativas" de difusão limitada. Desta maneira, não foi dada a oportunidade à opinião pública brasileira e internacional de tomar conhecimento da envergadura deste encontro das esquerdas brasileiras, do qual poderão derivar-se importantes acontecimentos sócio-políticos no curto e médio prazo. A série de artigos de Destaque Internacional, que hoje começa e que inclui informações exclusivas de sua equipe de correspondentes em Belo Horizonte, trata de atenuar esta carência informativa.
Nota 2:
Belo Horizonte não foi escolhida "por acaso" como palco do FSB, segundo nota oficial do prefeito Fernando Pimentel, do governante Partido dos Trabalhadores (PT), donde se explica que a cidade está em mãos de administrações de esquerda há 10 anos. Paulo Santos da Silva, diretor de relações internacionais da União dos Estudantes (UNE), controlada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), acrescentou que também levou-se em conta para escolher esta cidade como sede do FSB, o "peso" decisivo do Estado de Minas Gerais na organização das três edições do Fórum Social Mundial (FSM) e a vasta "rede de movimentos" esquerdistas que o estado de Minas Gerais possui. O peso das redes e ONGs existentes neste estado brasileiro não é pouca coisa se, além disso se considera que, tal como o mencionou em sua conferência o teólogo da libertação Leonardo Boff, um dos principais e mais aplaudidos participantes do FSB, o Brasil "tem a maior rede de movimentos sociais do mundo", com uma considerável "força interna" dentro da qual o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é apresentado como um baluarte.
Fontes:
Adital, Carta Maior, Diário Vermelho, Luso-Brasileira de Notícias e correspondentes de Destaque Internacional em Belo Horizonte: Nelson Andrade, Ana Maria Lopes e Fernando Alencar.
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Fórum Social Brasileiro: esquerdas debatem utopias, estratégias e dilemas
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Fórum Social Brasileiro: articulações da "esquerda católica", MST e indigenistas
Fórum Social Brasileiro: a meta de "desconstrução" e "reinvenção" do homem e da sociedade
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Destaque Internacional - Informes de Conjuntura
Ano V - No. 117 - Buenos Aires - Madrid, Nov. 12, 2003.-
Fórum Social Brasileiro: esquerdas debatem utopias, estratégias e dilemas
Os fantasmas de governos de esquerda derrocados na América Latina ressurgem em meio de ásperos debates
Entre os 30 mil participantes do 1º Fórum Social Brasileiro (FSB), efetuado na cidade de Belo Horizonte, os motivos de discrepância não estiveram em torno da ambígüa "utopia" socialista senão dos métodos, estratégias e velocidades adequadas para caminhar para a mesma. Em vários momentos do FSB essa discrepância manifestou-se de maneira aguda e até agressiva entre as partes, como quando tratou-se de fazer um balanço dos 10 primeiros meses do mandato de Lula, o qual deixou a descoberto dilemas e divisões internas das esquerdas brasileiras, inclusive, no interior do próprio governo.
O seminário intitulado "Estado e movimentos sociais: repressão, cooperação, captação" desenvolveu-se com a assistência de milhares de assistentes que abarrotavam o estádio "Mineirinho". Um dos oradores, o professor de História da Universidade de São Paulo, Valério Arcady, diretor do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), de tendência trotskista, acusou a outros dois membros da mesa, os presidentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, e da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta, de haverem transformado essas organizações em "veículos com chapas oficiais" do governo brasileiro. Segundo Arcady, o presidente Lula, por sua parte, estaria "fazendo uma opção pelo capitalismo" e não pelo socialismo. Seu inflamado discurso, identificado com a corrente pró-castrista e pró-chavista do FSB, conseguiu polarizar e dividir em dois grupos os presentes, que acompanharam suas palavras entre aplausos, gritos desafiantes, agressões verbais e vaias.
O presidente da CUT, um dos aludidos pelo professo Arcady, e integrante de uma segunda corrente partidária da gradualidade e de velocidades mais lentas, respondeu dizendo que "nós precisamos ter a sabedoria de não exagerarmos, pois podemos perder o bonde da História. Se nós derrotarmos o governo Lula, como insinua meu companheiro Valério, qual governo virá na seqüência? Um governo à esquerda do governo atual? Ou a retomada do poder pela direita?"
Gilmar Mauro, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), identificado com a extrema esquerda pró-castrista, porém ao mesmo tempo percebendo o abismo a que podem levar passos em falso de certos dirigentes revolucionários, fez uso da palavra para advertir que "não é possível fazer uma revolução de cima para baixo, pois esta não se sustenta historicamente"; que a "transformação social profunda virá se em todo o Brasil se fizer luta de massas"; e que "é preciso articular forças e organizar", o que é muito diferente da mera "agitação e propaganda".
O entrechoque entre ambas as correntes revolucionárias também esteve presente no seminário "Relações internas: por onde tem ido e por onde irá o governo Lula", efetuado no auditório da reitoria da UFMG.
Juarez Guimarães, cientista político da UFMG e atualmente assessor da secretaria geral da Presidência da República, em Brasília, depois de recomendar cautelas, explicou que estamos ante um "governo dramático porque carrega ao mesmo tempo forças profundas de mudança e forças que defendem a continuação do paradigma neoliberal".
Houve na continuação intervenções de personagens da ala partidária para aprofundar rapidamente o processo rumo ao socialismo, como o professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves e também trocas de insultos entre bases petistas defensoras de uma e outra corrente.
O professor Juarez Guimarães comentou que esses incidentes "confirmam que vivemos uma experiência dramática e que as pessoas reagem dramaticamente". Destacou, ante esse quadro de divisões e desentendimentos dentro das esquerdas, "a dificuldade de governabilidade deste governo de esquerda", pedindo aos radicais petistas, partidários em caminhar de maneira rápida para o socialismo, que tomassem cuidado com o que faziam. Porque atitudes similares precipitaram a ruína de "governos de esquerda derrubados na América Latina" como o do socialista Salvador Allende, no Chile, e "inclusive o último governo de esquerda no Brasil, o de Jango Goulart, que também foi derrubado".
O assessor da secretaria geral da Presidência reconheceu que um dos maiores problemas da esquerda no governo é "como tornar efetiva a superação do atual paradigma neoliberal" e que "a resposta depende de como resolver a questão do novo paradigma". Neste sentido, acrescentou que, "tal como disse Emir Sader, não se encontram antecedentes em outros países" pelo qual é preciso "elaborar uma teoria de transição do modelo liberal" para o novo modelo que se deseja. De qualquer modo, concluiu Juarez Guimarães, a "alternativa de ruptura frontal não é uma política realista".
Seria um erro político deduzir dos testemunhos transcritos que a corrente revolucionária partidária da gradualidade seria necessariamente "moderada" e que, portanto, deveria ser apoiada como um mal menor. Com efeito, seus líderes conhecem e usam habilmente as regras da gradualidade, que com uma aparência moderada tantas vezes têm como efeito desmobilizar e até anestesiar setores do centro e da direita. Por isso, esta corrente é sob certos pontos de vista mais perigosa que a integrada por grupos de extrema esquerda, que com suas freqüentes imprudências políticas fazem abrir os olhos de muitos.
Sobre as novas e eficazes estratégias dos pseudo "moderados" em nível internacional, sugerimos a leitura dos artigos sobre o 3º Fórum Social Mundial de Porto Alegre, "'Diversidade' e novos totalitarismos" e "'Transversalidade' e caos". (CubDest, Fev. 14 e 15, 2003).
Por fim, seria simplificar a realidade considerar como um mero "show" as fortes discussões internas dentro do governante Partido dos Trabalhadores (PT) e das esquerdas brasileiras, sobre a velocidade que deveria impirmir-se ao processo rumo ao socialismo. Com efeito, elas têm um indiscutível fundo de realidade e podem, inclusive, chegar a definir o rumo do governo Lula. Não em vão, vários participantes trouxeram à colação os fantasmas de experiências socialistas fracassadas na América Latina, entre cujas causas esteve precisamente esse delicado problema da excessiva velocidade impressa ao processo revolucionário, com o qual, até a opinião pública centrista e as camadas sociais mais humildes se sobressaltaram justificadamente, contribuindo para precipitar a queda desses regimes.
Fontes:
Adital, Carta Maior, Diário Vermelho, Luso-Brasileira de Notícias e correspondentes de Destaque Internacional em Belo Horizonte: Nelson Andrade, Ana Maria Lopes e Fernando Alencar.
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Destaque Internacional - Informes de Conjuntura
Ano V - No. 118 - Buenos Aires - Madrid, Nov. 13, 2003.-
Fórum Social Brasileiro: conjuntura latino-americana e política externa lulista
Recolocar o socialismo como uma alternativa viável e derrotar os Estados Unidos são duas das metas internacionais das esquerdas no FSB
A atual conjuntura latino-americana, com avanços das esquerdas em vários países, e a política externa do governo Lula, foram objeto de debates durante o recente Fórum Social Brasileiro (FSB), efetuado na cidade de Belo Horizonte.
No seminário "Relações internacionais: Por onde tem ido e por onde irá o governo Lula", efetuado no auditório da Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as opiniões dos especialistas presentes se dividiram entre os que sentiram-se relativamente satisfeitos com a política externa do presidente Lula, e os que manifestaram que o governo brasileiro deveria radicalizar ainda mais sua ação diplomática pró-socialista na América Latina e no mundo.
Entre estes últimos situou-se o sociólogo Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo, um dos mentores intelectuais da extrema esquerda no Fórum Social Mundial (FSM) e no Fórum Social Brasileiro (FSB). Sader destacou que depois de um período em que "a esquerda tradicional e a consciência socialista ficaram tão enfraquecidas" devido à derrubada do campo socialista, o panorama internacional dá indícios de "começar a virar". Neste sentido, disse que "o quadro sul-americano é extraordinariamente favorável" às esquerdas e citou como exemplos recentes o levante comuno-indígena na Bolívia e a derrota eleitoral, nas recentes eleições municipais da Colômbia, dos candidatos do presidente conservador Uribe na estratégica prefeitura de Bogotá e em outras prefeituras importantes desse país. Sader disse que o "objetivo maior" e o "caminho" que a política externa lulista deveria seguir era o de "recolocar o socialismo como uma alternativa viável na atual conjuntura internacional", para contribuir em derrotar assim, a "hegemonia norte-americana".
Valter Pomar, secretário municipal de Cultura da prefeitura de Campinas, 3º vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e representante da extrema esquerda dentro do principal partido do governo, manifestou sua "impressão positiva" em relação à política externa lulista, em particular pelo "apoio prestado ao governo Chávez e a oposição ao governo norte-americano no caso de Cuba". Porém, cobrou à chancelaria brasileira mais "firmeza" e menos "flexibilidade". Nesse sentido, Pomar disse sem eufemismos que "derrotar os Estados Unidos" deveria ser o "aspecto tático central" da política externa brasileira e que, por sua parte, a "meta estratégica principal" deveria ser "reabrir um novo período de luta pelo socialismo e de reconstrução do bloco socialista" em nível internacional.
Pomar acrescentou que o poderio norte-americano "dá sinais de cansaço" e que, na atual conjuntura, a América Latina tem um papel "estratégico" fundamental para terminar com essa "hegemonia", criando "uma nova frente de conflito no Sul" que incluía a Venezuela, Cuba, Bolívia, Argentina e o próprio Brasil, o qual passaria a constituir "um problema enorme para os Estados Unidos".
Como se tem mencionado, estar a par do que ocorre nos bastidores das esquerdas brasileiras tem importância para compreender certas atitudes zigue-zagueantes e até caóticas do governo brasileiro no plano político, para estar em condições de fazer uma previsão objetiva do que ocorrerá com tal governo, que, em boa medida depende de suas bases esquerdistas, e para tratar de discernir aonde está sendo conduzido o próprio Brasil.
Nota:
Embora o tema deste seminário tenha sido as relações internacionais do governo Lula, os mencionados expositores não deixaram passar a oportunidade para criticar asperamente a política interna do governo. Pomar manifestou-se "indignado" com a aparente lentidão do governo em seu caminho ao socialismo, disse que era preciso uma ação dos militantes de esquerda para obrigar o governo a "recolocar a situação para uma ruptura do atual modelo" sócio-econômico, identificado com a propriedade privada e a livre iniciativa. Advertiu que o que está em jogo é "o conjunto da obra" ao longo dos últimos 20 anos e que uma "derrota do governo federal" em seu caminho ao socialismo, "implicará num retrocesso para as esquerdas com efeitos que nós não temos idéia do que significarão: seremos derrotados por nós mesmos".
Fontes:
Adital, Carta Maior, Diário Vermelho, Luso-Brasileira de Notícias e correspondentes de Destaque Internacional em Belo Horizonte: Nelson Andrade, Ana Maria Lopes e Fernando Alencar.
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Fórum Social Brasileiro: articulações da "esquerda católica", MST e indigenistas
Fórum Social Brasileiro: a meta de "desconstrução" e "reinvenção" do homem e da sociedade
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Destaque Internacional - Informes de Conjuntura
Ano V - No. 119 - Buenos Aires - Madrid, Nov. 14, 2003.-
Fórum Social Brasileiro: articulações da "esquerda católica", MST e indigenistas
Uma "nova lógica" de construção do poder, através de "redes" de ONGs, para controlar o Estado e a sociedade
O Fórum Social Brasileiro (FSB), com 1.200 organizações inscritas e 30 mil participantes, foi ocasião para reforçar alianças já existentes e estabelecer outras novas, assim como marcar calendários comuns de conscientização e agitação social.
O Conselho Missionário Indigenista (CIMI), um órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), anunciou no FSB, através de um de seus coordenadores, José Coelho, "um processo de união das lutas indígenas e dos sem-terra" no estado de Minas Gerais e em nível internacional, o estabelecimento de alianças com a chamada Via Campesina, uma rede internacional de "luta pela terra", muito ativa no Fórum Social Mundial de Porto Alegre. "Achamos que a união com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no Brasil e outras organizações da Via Campesina, pode fortalecer muito a luta indígena", concluiu. O CIMI, identificado com os setores mais radicais da esquerda brasileira, apresentou no FSB o documento "Governo Lula: a morte ameaça os povos indígenas", onde acusa o presidente brasileiro de "vacilante", assim como do "não cumprimento das promessas da campanha eleitoral" e com os "compromissos históricos de construção de uma nova sociedade". A apresentação do documento foi feita por Mons. Franco Masserdotti, presidente do CIMI e bispo de Balsas, do estado nordestino do Maranhão, que tinha a seu lado o Mons. Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana, estado de Minas Gerais, ex-presidente da CNBB.
Osmar Azavedo, índio da tribo pataxó do sul do estado da Bahia, disse que embora existam "diferenças" com o MST nos objetivos imediatos, "a questão política de fundo", que é "retomar" terras que teriam sido invadidas pelos brancos, "é a mesma": "A união das forças nessa luta só pode nos beneficiar a todos". Por sua vez, Araci Cachoeira, membro do "coletivo nacional" do MST, disse que entre os indigenistas e o MST existem "metodologias diferentes de lutar pela terra", porém ratificou que "no fundo", os objetivos de revolução agrária e de luta pela terra são "a mesma coisa". Cachoeira concluiu dizendo que nas "culturas" indígenas, com sua "organização familiar" e com o suposto "respeito mútuo dentro das comunidades" teria elementos "muito preciosos" e, nesse sentido, "o MST tem a aprender com eles".
A Coordenadora dos Movimentos Sociais (CMS) também desenvolveu intensas atividades e debates no FSB para combinar "os próximos passos da luta no país", especialmente, para exigir a colocação em marcha de uma reforma agrária de caráter socialista, e consolidar um "espaço de acúmulo de forças para os próximos embates". Fundada em abril deste ano, para coordenar as manifestações contra a guerra no Iraque nas principais cidades brasileiras, está integrada pelos principais movimentos sócio-revolucionários do Brasil, tais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).
A CMS marcou uma jornada de protestos e mobilizações para 21 de novembro, data da chegada à Brasília de uma "marcha" do MST para "cobrar" do governo Lula e do Congresso em Brasília, a aplicação do chamado Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), de inspiração socialista, proposto pelo deputado Arruda Sampaio, do governante Partido dos Trabalhadores (PT) e ligado à "esquerda católica".
Gilmar Mauro, coordenador nacional do MST, disse no FSB que considera o PNRA como "o passo mais importante para as mudanças" no campo e que os movimentos sócio-revolucionários devem ter "a força para pressionar o governo Lula para fazer as reformas" e derrotar assim "a direita". Nesse mesmo dia 21 de novembro, também se efetuam manifestações simultâneas na América Latina e Estados Unidos, contra as negociações ministeriais sobre a Alca que concluem-se em Miami.
Moacir Gadotti, professor da Universidade de São Paulo (USP), membro fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) e um dos principais organizadores do FSB, explicou a filosofia que está por trás do FSB e de toda essa enorme rede de articulações e alianças. Trata-se de "uma nova lógica de construção de um poder" através da criação de um "movimento de solidariedade horizontal, onde não há hierarquia". Ou, acrescentamos nós, onde os "centros motores" dessas articulações ficam velados, difíceis de identificar, aplicando táticas "liliputianas" e de "invisibilidade", dando assim uma aparência de "espontaneidade" à ação dos novos movimentos revolucionários (cfr. CubDest, "Fórum Social Mundial: as 'redes', suas metas e estratégias", Fev. 15, 2003).
Citando Karl Marx, Gadotti explicou que "estamos acumulando força para reverter a correlação de forças existente". O caminho seria "fortalecer" o chamado "sujeito social coletivo" para, através dele, "controlar o Estado". Porém, não se trata hoje de atuar a partir de um partido único ou de uma vanguarda "proletária", mas de atuar através de redes de ONGs, tal como vem sendo desenvolvido teórica e praticamente pelos participantes do Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Nesse sentido, o mencionado personagem explicou que se há 30 anos lhe perguntassem "o que fazer para mudar o mundo", ele responderia: "Criem um partido político". Todavia, hoje sua resposta é: "Criem uma ONG". Gadotti concluiu: "Lula tem um compromisso socialista" porém seu governo possui também componentes de centro e "ainda estamos num velho Brasil", pelo qual o papel dos "movimentos sociais" é fazer "críticas e manifestações para dar força às idéias do Lula" e assim conseguir que os projetos socialistas do atual presidente brasileiro "não fiquem apenas no nível das idéias".
Esta "nova lógica" revolucionária consiste então na construção em nível sócio-político-cultural de uma "correlação" de forças para controlar e "pressionar" o Estado e a sociedade rumo ao socialismo, através da ação "horizontal", discreta e sub-reptícia, de redes de ONGs. Uma "lógica" que retoma e parece superar efetivamente as estratégias de Antonio Gramsci, teórico neo-comunista de começos do século XX, e que se diferencia dos métodos "vanguardistas" e de "ditadura do proletariado" usados pelas correntes clássicas da esquerda, porém não das metas comuns. Por isso, como já foi dito, membros influentes de ambas as correntes possuem uma similar radicalidade, ainda quando a primeira delas, por usar táticas graduais e mais sutis de conquista de espaços, possa parecer mais "moderada".
Estamos na presença de uma "nova lógica" revolucionária que tem atraído a adesão de altos funcionários do governo Lula. Luiz Dulci, ministro secretário geral da Presidência da República, oriundo do estado de Minas Gerais, esteve presente no FSB fazendo uso da palavra no seminário "Democratização do Estado e participação social no governo Lula". Então explicou que na atual conjuntura brasileira "a maior virtude de um revolucionário é conseguir transformar, de fato, o dia-a-dia das pessoas", dando prioridade portanto, no prazo imediato, à transformação das mentalidades mais que a transformação das estruturas. O programa do presidente Lula é "de inspiração e moral socialistas", disse, porém advertiu que é preciso considerar, na hora da ação, que "pelo menos metade das pessoas que votaram no presidente Lula não é de esquerda" e que "se tivéssemos ficado apenas na parte da doutrina, talvez não ganhássemos as eleições".
Nesse mesmo sentido, José Genoíno, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) que também esteve presente no FSB, já mencionou em artigo de imprensa o fundamento desta nova estratégia gradualista nas "formulações de Antonio Gramsci" e em seus objetivos de "lutar pela hegemonia política, cultural e moral (valores) no interior das sociedades democráticas", se bem que, como já se comentou, a estratégia de redes explicada por conceituados participantes do Fórum Social Mundial vai inclusive, mais além em eficácia revolucionária.
Estes elementos parecem indispensáveis a quem queira ter uma radiografia objetiva, atualizada e matizada das esquerdas brasileiras, sem cair em lugares comuns ou simplificações.
Fontes:
Adital, Carta Maior, Diário Vermelho, Luso-Brasileira de Notícias e correspondentes de Destaque Internacional em Belo Horizonte: Nelson Andrade, Ana Maria Lopes e Fernando Alencar.
Próximo e último artigo:
Fórum Social Brasileiro: a meta de "desconstrução" e "reinvenção" do homem e da sociedade
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Destaque Internacional - Informes de Conjuntura
Ano V - No. 119 - Buenos Aires - Madrid, Nov. 15, 2003.-
Fórum Social Brasileiro: a meta de "desconstrução" e "reinvenção" do homem e da sociedade
Uma mudança de mentalidades que afaste o máximo possível o ser humano dos Mandamentos da Lei de Deus
Na maioria dos conferencistas do Fórum Social Brasileiro (FSB) percebeu-se uma notória ambigüidade na hora de definir como a "utopia" socialista se traduziria, concretamente, no "outro mundo" e no "outro Brasil" propugnados pelo FSB. Similar indefinição viu-se também nas três edições do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, no recente congresso mundial da Internacional Socialista (IS) e no discurso ali pronunciado pelo presidente Lula, assim como em outros eventos internacionais de ONGs. Já são muitos anos de articulações e debates, e era razoável esperar que se houvesse avançado na formulação de sistemas sócio-políticos alternativos aos atuais, objetos de críticas radicais. Esta indefinição levanta interrogações inclusive entre participantes de tais eventos. Jair Barbosa Junior, do Instituto de Estudos Sócio-econômicos (INESC), de Brasiília, presente no FSB, constatou que o evento "peca um pouco por não apontar proposições efetivas", e que lamentavelmente "tanto este Fórum quanto o Mundial, de Porto Alegre, foram mais diagnósticos que propositivos".
As correntes comuno-socialistas clássicas, ligadas ideologicamente ao fracassado "socialismo real", evitam propô-lo publicamente como um modelo viável, por suas indesmentíveis seqüelas de injustiça, miséria e sangue. Por outro lado, as correntes comuno-anárquicas, partidárias de novos "paradigmas" aos quais se chegaria mediante o incentivo de todas as formas possíveis de "diversidade" e "transversalidade" revolucionária, e inclusive de caos, eximem-se de efetuar essas incômodas definições, alegando que é um processo em construção, do qual não existem antecedentes históricos (cfr. Destaque Internacional, "Fórum Social Brasileiro: esquerdas debatem utopia, estratégias e dilemas", Nov. 12, 2003; CubDest, Fórum Social Mundial, 'tranversalidade' e caos", Fev. 15, 2003).
Entretanto, influentes personagens de uma e outra corrente, protegidos por essa ambigüidade, parecem concentrar seus esforços em incentivar no ser humano uma mudança de mentalidades que o afaste o máximo possível dos Mandamentos da Lei de Deus e dos princípios da civilização cristã. Ontem, a prioridade do processo revolucionário parecia estar concentrada no plano do convencimento através das idéias. Hoje, ante as dificuldades encontradas na via de persuasão ideológica, a ênfase parece estar no campo da transformação das tendências e das mentalidades, algo que em certo sentido tem a capacidade de modificar mais profundamente o ser humano.
No painel "Superação do neoliberalismo por meio de projetos democráticos, populares, não sexistas e anti-racistas", a psicóloga Nalu Faria, representante da Rede de Economia e Feminismo no Brasil, que atuou como moderadora, assinalou a necessidade da "desconstrução" social, política e moral do Brasil atual como uma condição prévia para empreender o novo caminho revolicionário: "Nossa construção passa pela desconstrução das atuais estruturas hierárquicas, machistas e racistas da sociedade brasileira", para poder dessa maneira "disputar um novo projeto de sociedade, onde seja respeitada a igualdade racial e sexual entre homens e mulheres, incluindo os homossexuais".
A médica Jurema Werneck, secretária executiva da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, uma das expositoras no mencionado painel, falando desde a perspectiva de uma "feminista negra", se encarregou de complementar a idéia de "desconstrução" com a de uma indispensável "reinvenção" do ser humano e, portanto, da sociedade: "O estado atual da consciência militante e da condição política em transformação de mulheres e de homossexuais, exige um processo que possibilite o surgimento de novos homens. E isto só pode ser feito a partir do momento em que estes rompam a inércia e projetem-se no desconhecido de reinventar-se", desde uma "perspectiva" "anti-sexista, anti-racista e anti-homofóbica", oposta aos "valores masculinos, brancos, ocidentais e hetero-sexuais".
Werneck esclareceu que não tinha uma "resposta pronta" porém sim, "sugestões" e "pistas" de "processos bem sucedidos" que poderiam orientar a "reinvenção" do "novo mundo" auspiciado pelo FSB. Nesse sentido, colocou como exemplo a constituição no Brasil, no século XIX, dos chamados "quilombos" organizados por negros, que "eram fundamentalmente territórios livres a partir dos quais se poderia construir um novo sentido de povo, nação o comunidade", fundado na "recusa radical" a qualquer "subordinação".
Nesse processo de "desconstrução" e "reinvenção" entra, como já foi visto em artigo anterior, a abordagem das pseudo-culturas indígenas, apresentadas como sistemas sociais valiosos, tal como o manifestou no FSB uma representante do MST (cfr. Destaque Internacional, "Fórum Social Brasileiro": articulações da 'esquerda católica', MST e indigenistas", Nov. 14, 2003).
Também entra de cheio a completa liberação do aborto (que não é senão uma matança de inocentes no ventre de suas mães), tal como foi defendido no seminário "O aborto não deve ser considerado um crime", organizado pela Rede Feminista de Saúde e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Nesse "mundo novo" que passaria por um radical processo de "desconstrução" e "reinvenção", construído sobre uma "diversidade" que faça da relativização de toda a verdade um valor absoluto, que espaço se deixará para os que discordam dessa visão tão diametralmente contrária aos Mandamentos e aos princípios da civilização cristã? (cfr. "Fórum Social Mundial, 'diversidade' e novos totalitarismos", CubDest, Fev. 14, 2003). Esta é uma das perguntas cruciais que podem ser levantadas à vista desse gigantesco plano para "desconstruir" os restos do Brasil, chamado outrora Terra de Santa Cruz.
Através de cinco artigos, nosso objetivo foi mostrar alguns aspectos do Fórum Social Brasileiro, um evento que foi praticamente silenciado pela grande imprensa, sem pretender esgotar o tema, e oferecer esta informação à opinião pública, dando elementos para um eventual debate. Os leitores têm a palavra.
Fontes:
Adital, Carta Maior, Diário Vermelho, Luso-Brasileira de Notícias e correspondentes de Destaque Internacional em Belo Horizonte: Nelson Andrade, Ana Maria Lopes e Fernando Alencar.
Artigos anteriores:
Fórum Social Brasileiro: radiografia das esquerdas
Fórum Social Brasileiro: esquerdas debatem utopias, estratégias e dilemas
Fórum Social Brasileiro: conjuntura latino-americana e política externa lulista
Fórum Social Brasileiro: articulações da "esquerda católica", MST e indigenistas
Tradução: Graça Salgueiro