Febr. 11, 2003: Agencia CubDest (FL) (4o. artigo da Série Fórum Social Mundial 2003). Febr. 20, 2003: Mídia Sem Máscara, Internet.
MST: radicalidade, cabeça fria, mística
O intelectual anarquista Noam Chomsky, uma das principais figuras do 3º Fórum Social Mundial, reconheceu que o MST é hoje um dos movimentos revolucionários "mais importantes do mundo"
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um dos mais ativos grupos de extrema esquerda do Brasil e ponta de lança das agitações rurais neste vasto país sul-americano, integra o comitê organizador do Fórum Social Mundial de Porto Alegre e lidera a rede internacional "Via Campesina", um conjunto de 101 organizações com atuação em mais de 40 países das Américas, Europa, Ásia e África. Fundado oficialmente em 1984, o MST atua hoje em 23 dos 27 Estados do Brasil e, segundo seus dirigentes, articula 1 milhão e meio de pessoas em torno de acampamentos, cooperativas e diversos tipos de associações rurais.
Uma das figuras mais destacadas do 3º FSM, o intelectual norte-americano Noam Chomsky, de tendência anarquista, acaba de reconhecer que o MST é hoje um dos movimentos revolucionários "mais importantes do mundo". O ditador comunista de Cuba, Fidel Castro, elogiou o MST colocando-o como modelo de "movimento de massas" latino-americano. E Frei Betto, "teólogo da libertação" íntimo amigo de Castro e atual assessor do presidente Lula, do Brasil, disse durante o 2º FSM, na conferência "Mística e Revolução", que os 26 líderes nacionais do MST foram "conscientizados" nas chamadas "comunidades eclesiais de base". Não é em vão que a ideologia do MST é uma mescla de castrismo, guevarismo e "teologia da libertação".
Do mesmo modo que nas edições anteriores do FSM, este ano se fizeram presentes em Porto Alegre milhares de militantes do MST, desta vez, encabeçados por dois de seus dirigentes, Gilmar Mauro e João Pedro Stédile, que participaram respectivamente em dois importantes seminários no ginásio de esportes "Gigantinho", onde foram ovacionados pela multidão presente.
A conferência de Mauro, mais estruturada, pode resumir-se em 3 conceitos: radicalidade, cabeça fria e mística. Radicalidade porque, segundo explicou, para que haja uma autêntica reforma agrária, deve-se "alterar as atuais estruturas de poder", através "da luta de classes", atuando "contra o sistema" baseado na "propriedade privada", "até sua derrota". Destacou a necessidade de ter "cabeça fria", porque não se conseguirá "derrotar o inimigo" só com "meia dúzia de fuzis e foices", e sim com "milhões de militantes organizados". "Na luta de classes é preciso ser racional, para fazer análises corretas", insistiu. Note o leitor que "cabeça fria" não significa moderação, mas um auge de radicalidade revolucionária, onde a razão prima sobre a emoção. Trata-se, como dizia Lênin, de superar o mero esquerdismo emocional, por ele considerado como uma "enfermidade infantil" do comunismo. Por fim, Mauro destacou a necessidade da "mística" para adquirir a "resistência" necessária, se fosse preciso durante um longo período, "sem marcar datas no calendário", tendo bem claro que "as revoluções não se fazem com discursos e sim, atuando".
Stédile, um ex-seminarista que declarou publicamente que o objetivo do MST é implantar "uma sociedade socialista e igualitária", condenou as "reformas agrárias do tipo capitalista, assistencialista" e a mentalidade "pequeno burguesa" dos camponeses que, ao receber "dez hectares de terra" se transformariam em "escravos de sua ilusão". O dirigente do MST afirmou também que seu movimento "continuará arregimentando pobres" para fazer invasões de granjas e fazendas e pôs como modelo certos projetos de ocupação de terras que se efetuam atualmente na Índia.
No Brasil, diversos observadores políticos têm comentado as diferenças de estratégias entre o governo Lula, aparentemente mais moderado, e o MST, com um perfil mais radical, em torno das velocidades para aprofundar a reforma agrária.
Em que medida essas diferenças formam parte de um delicado jogo político e em que medida constituirão divergências reais? O concreto é que mostrando-se radical, o MST poderá servir para impulsionar uma política governamental de "ceder para não perder", na qual os proprietários rurais seriam induzidos a ir fazendo concessões graduais em relação ao direito de propriedade privada e livre iniciativa, sob pena de que o MST incendeie o campo e eles, por não quererem ceder, terminam perdendo tudo.
Apesar da indiscutível periculosidade política de seus dirigentes, com sua ideologia radical, sua organização férrea e sua massa de manobra, que não é pequena, o MST não é todo-poderoso. Seu calcanhar de Aquiles talvez esteja entre uma parte de seus próprios seguidores, camponeses e pequenos agricultores que foram atraídos pelo MST com a promessa de ser, algum dia, pequenos proprietários rurais. Camponeses que não querem fazer uma revolução social e que poderão das as costas a seus atuais dirigentes, se perceberem que estes não só os usam politicamente, como que os desprezam por terem uma mentalidade "pequeno burguesa".
Tradução: Graça Salgueiro