Jun. 2000: Revista "Catolicismo", Brasil

Elián e a inexplicável continuidade

da ditadura comunista em Cuba

A respeito de Cuba comunista e do tão comentado caso do menino Elián González Brotons, Catolicismo entrevistou, via Internet, dois conhecidos dirigentes dos exilados cubanos de Miami, o Sr. Sergio F. de Paz e o Dr. Enrique J. Cantón. São eles coordenadores da Comissão de Estudos pela Liberdade de Cuba, cujo objetivo principal é esclarecer a opinião pública internacional sobre a situação cubana, através de livros, manifestos, estudos, cartas aos jornais do Ocidente e difusão de mensagens pela Internet.

Catolicismo – Por que os Srs. acham que Elián González despertou tanto interesse no mundo inteiro?

De Paz – Pela simples razão de que a história de Eliancito é, aos olhos do Brasil, dos Estados Unidos e do mundo, um símbolo vivo do gigantesco drama pelo qual atravessa Cuba há 41 anos, martirizada por um sistema comunista intrinsecamente perverso. Era ele um dos 13 cubanos que fugiam da ilha-cárcere em busca da liberdade numa frágil embarcação que soçobrou, morrendo afogados 10 deles, incluindo sua mãe, Elizabeth Brotons Rodriguez.

Cantón – Houve também várias circunstâncias extraordinárias em torno do resgate do menino no Estreito da Flórida, que contribuíram para chamar a atenção internacional e atrair a natural compaixão pelo menino. Ele, com seis anos, foi achado por pescadores no dia 25 de novembro de 1999, data em que se festeja nos Estados Unidos o Dia de Ação de Graças. A mãe, Elizabeth, antes de se deixar vencer pelo cansaço e morrer afogada, juntou forças para amarrar seu filho a uma câmara de ar. Segundo os médicos que o examinaram após o resgate, o menino, surpreendentemente, não apresentava sinais de desidratação nem de queimaduras de sol. Por fim, escapou ele dos tubarões que infestam o estreito da Flórida.

Catolicismo – Mas chegando a Miami, começou outra odisséia para Elián...

De Paz – Sim, num primeiro momento, em Miami, o menino passou a morar com tios-avós paternos, que lhe concederam todo carinho e proteção, de maneira a permitir-lhe superar, ainda que em parte, o trauma sofrido. Mas logo depois, na chamada terra da liberdade aconteceu o inimaginável: as autoridades norte-americanas, através do Serviço de Imigração, cedendo aos apelos do regime comunista, começaram a fazer todo o possível para devolver o menino a Cuba.

Catolicismo – Castro, alegou os direitos do pai sobre o menino, o pátrio poder. Esse argumento, à primeira vista, parece ter sua razão de ser, máxime para aqueles que, como nós e os Srs., defendemos a instituição da família.

Canton – A objeção é muito oportuna, e nos dá ocasião de mostrar, mais uma vez, o cinismo do governante comunista, que se arvorou da noite para o dia como defensor da família..., precisamente ele, que tem dedicado todos os esforços para destruí-la. É indispensável perguntar que sentido e que valor tem, na Cuba comunista, do ponto de vista jurídico, esse pátrio poder, ou seja, o legítimo direito e domínio dos pais sobre os seus filhos, quando estes são menores de idade.

A Constituição cubana, em seus capítulos IV, "Família" e V, "Educação e Cultura", deixa claríssimo que é o Estado comunista que possui os direitos reais sobre as mentes das crianças e jovens cubanos, impondo aos pais a cruel obrigação de transformá-los em cidadãos comunistas.

De Paz – Mais ainda, em Cuba, o texto constitucional simplesmente ignora o direito natural dos genitores de escolher a educação que julgarem mais adequada para seus filhos. Nos artigos 35 e 38, a Constituição passa a atribuir aos pais, em nome do Estado comunista, "responsabilidades" e

"funções essenciais" numa "educação" e "formação" que os prepare, de maneira "integral", para "a vida na sociedade socialista". Depois de impor aos pais tão odiosas obrigações constitucionais, contrárias à Lei de Deus e ao Direito natural, a lei fundamental cubana, no artigo 39, deixa claro que, ainda assim, esse papel "educativo" dos pais é secundário ao lado do que se atribui a si mesmo o Estado comunista.

Catolicismo – Mas nesse contexto jurídico, qual é então, o papel que resta aos pais?

Cantón – De fato, não resta aos pais cubanos o mínimo resquício ou margem de liberdade para decidir sobre a formação moral dos filhos: suas consciências pertencem ao sistema comunista. Achamos sumamente importante estendermo-nos sobre esse tema, pois como já foi dito, o pátrio poder tem sido o grande argumento dado por Castro, argumento, aliás, aceito incrivelmente pelas autoridades norte-americanas. Como conclusão, enviar de volta a Cuba Eliancito González não é entregá-lo aos braços de seu pai, mas às implacáveis garras do Estado comunista, que se apoderará de seu corpo e sobretudo de sua alma, tal como o tem feito com gerações inteiras de meninos e jovens de nosso sofrido país. Aliás, o regime cubano já anunciou que aguarda Eliancito para hospedá-lo num centro de "reeducação" instalado numa das sedes da União dos Jovens Comunistas.

Catolicismo – Se os Srs. nos permitirem, há um ponto delicado que gostaríamos de tratar: uma série de artigos e editoriais em jornais do mundo inteiro, inclusive do Brasil, vem acusando os exilados cubanos de extremistas. Um quotidiano brasileiro, tido por alguns como de centro e por outros de centro-esquerda, em nota editorial, acusou-os de terem uma "cega hostilidade", "delírio" e até "paroxismo" anticastrista.

De Paz – Agradecemos a sinceridade da pergunta, pois, assim poderemos colocar os pingos nos "is" quanto a essa questão. De fato, as esquerdas do mundo inteiro valem-se da ingenuidade e até da cumplicidade de certos meios de comunicação, num incrível jogo de "prestidigitação" publicitária. Estão manipulando o caso do menino Elián e a posição anticomunista do exílio para tirar Fidel Castro e seu nefasto regime do "banco dos réus" e do "pelourinho", e colocar em seu lugar os exilados cubanos e os amigos da liberdade de Cuba, que, há décadas, denunciam as atrocidades do sistema comunista. É uma tentativa de salvar do naufrágio, a todo custo, o sistema comunista cubano.

Cantón – Gostaria de acrescentar que a posição do exílio cubano, ao rejeitar até a menor forma de aceitação da nefasta revolução cubana e a menor aproximação com o regime castrista, não é fruto de nenhum "delírio" ou "paroxismo", mas da plena adesão à doutrina da Igreja que condena o comunismo como "intrinsecamente perverso" e considera "inadmissível a colaboração com ele em qualquer terreno", segundo palavras textuais de S.S. Pio XI na famosa Encíclica "Divini Redemptoris".

Catolicismo – Os Srs. referiram-se a tentativas de salvar do naufrágio o regime comunista. Poderiam dar outras provas ou exemplos?

De Paz – Por ocasião do 41º aniversário da revolução comunista, em 1º de janeiro de 2000, o normal teria sido que um clamor de indignação e repúdio se levantasse nos organismos internacionais supostamente defensores dos direitos humanos, da mídia etc. Sem embargo, o contrário foi o que se deu. Nenhum desses organismos, nenhuma das tantas ONGs que no mundo monitoram a violação dos direitos das pessoas e, que nos conste, nenhuma chancelaria ocidental, teve, na ocasião, uma palavra sequer para condenar um sistema comunista violador de todos os direitos de Deus e dos homens.

Cantón – Também, nas últimas semanas, a agência vaticana Fides assinalou, com acerto, que o regime de Castro estava usando o caso de Elián para efetuar "montagens teatrais" e até uma "mascarada internacional" que servisse para ocultar no exterior uma onda repressiva contra os católicos e os opositores na Ilha. Essa denúncia da Fides, desmascarando a manipulação dos comunistas cubanos em torno do caso Elián, deveria ter ocupado as manchetes dos jornais e ter sido objeto de editoriais e comentários no mundo inteiro. Mas o contrário foi o que se deu. Pouquíssimos jornais e agências deram eco a essa denúncia da Fides. Com esse silêncio, obviamente protege-se a ditadura castrista e tenta-se salvá-la do fracasso.

Catolicismo – Uma pergunta final. Há especialistas latino-americanos que dizem que Cuba comunista já não representa nenhum perigo para o Continente. O que os Srs. pensam sobre isso?

De Paz – Simplesmente, e com todo respeito para com esses especialistas, é só percorrer a situação político-social de vários países da América Latina, com movimentos esquerdistas recomeçando as agitações, para ver a necessidade de não subestimar o perigo castrista. Temos manifestado publicamente nossa preocupação diante da configuração de um eixo político-militar esquerdista que, partindo de Cuba e passando pela Venezuela, chega à Colômbia com a guerrilha marxista e o narcotráfico, atinge o Peru com o Sendero Luminoso, alastra-se pelo Equador, pelo Chile com o surgimento de movimentos indigenistas revolucionários, pelo Brasil com o Movimento dos Sem- Terra – tão elogiado por Castro – e ameaça outros países do Continente. "Não há pior cego do que aquele que não quer ver", diz o refrão. Os fatos, que estão à vista de todos, mostram o perigo que representa o comunismo cubano enquanto suporte para a subversão no Continente.